Talvez de Hoje em Diante...
A minha aguarela agridoce
Feita de sombra e de luz
Geme com gemeria se fosse,
Por eterna, minha cruz.
A minha paleta privada
É um arremesso da má-vontade
Arremessada em mim, ó santificada
Personificação da Verticalidade.
Utopia, quem diria
Que me achasse 'inda tão formosa e nova
A bagagem que o ópio trazia
Seriam os sapatos com que iria para a cova.
Machadadas, machadadas, sempre machadadas
O auto-de-fé mais frio e melhorado
Nas costas, nas mãos, na voz, machadadas
A limitar o voo conquistado.
Lealdade a um nome que não se esquece
Por um Povo que vive a viver fingir
Um País que já não se parece
Consigo mesmo, e se está a sumir.
Por entre estas capas de Fado falso
E esta onda do deixar andar
A andar veloz para o cadafalso
A minha aguarela vai-se a apagar.
Glorifica-se o estado de analfabetar
Que falar com modos é antiquado
Os homens de amanhã vão acordar
Ignorantes do poder do próprio legado.
Um legado de bravos conquistadores
Homens sedentos de aventura
Poetas, fadistas, célebres navegadores
De um tempo que não se perdura.
A minha terra chora
Pela estupidificação das massas
Maldita que não chega a hora
De (ó Portugal!) sacudir-te as traças.