Nasceu, mais uma das manhãs ensandecidas da Babilónia, mais um remoinho de vida mal composta, suja e imoral. Despontou na ombreira da janela, causta e inquieta, não adivinha de si o que trás. Alvorada rubra e raiosa, louca e perversa.
Na Babilónia dos cheiros partidos, os homens e as mulheres não são uns dos outros, são unos uns com os outros, numa montanha de carne de todas as cores. Lá, o amor tem sabor de uns e outros, tem nome deles todos, uma amálgama de sentires em uníssono. Sem juízos de valor, sem mal dizeres ou rotulações.
Daqui, de fora dos portões dessa Babilónia medieval, o dia amanhece como outro qualquer, puro e impenetrável. Repleto de mesquinhez e maldade gratuita, de extintores arremessados sem porquê. Aqui, onde a guilhotina enferrujou e a lei mudou, os mancebos e párias tomaram o mundo e fazem dele o que lhes convém, perante a conivência dos nossos líderes.
Deixem-me escapar destes vales repletos de sombras e vultos escondidos na mentalidade da alcateia dos covardes. Deixem-me entrar pelos portões dourados da fantasia, essa Babiilónia que não julga, que não impele a força do que quer, que deixa viver, que deixa amar, ou não, sem quaisquer entraves. Deixem-me sentir o gosto da terra e da água, do suor e do sangue. Deixem-me sorrir e chorar, sem parecer tola ou fraca.
Quero evadir-me desta realidade feia e decrépita dos dias.
A solidão deu o nome aos homens, deu o seu ar aos seus olhos tristes e cansados, invadiu os seus corações e encheu-os de negritude.
Os homens andam sozinhos, enclausurados em si mesmos, nas suas tarefas, nos seus temperamentos. Esquecem-se de formar laços, deixar o seu toque no corações de outrém, uns nunca aprenderam a fazê-lo.
No meio da tristeza de não ter ninguém que os ame, tornam-se cínicos, mesquinhos, crianças abandonadas à sua sorte, sujas e descuidadas. Não entendem que a mudança vem de dentro deles, vem da sua vontade de abrir as portadas do peito e deixar alguém chegar perto.
Os homens de hoje têm lacunas em Humanidade, em dar sem esperar contrapartidas, em ser e deixar ser felizes os demais.
Vejo-os da minha janela, sentados à espera de alguém que não sabe que devia lá estar, a angustiar, a deixar que a solidão e seus mal-dizeres, regule a maneira com que olham o mundo. Não percebem que enquanto esperam, a vida vai e vem, passa e acaba. Enquanto nada fazem, tudo se finda e nada fica, nada deles fica, eremitas citadinos.
A vida é curta demais para gastá-la sentado. Temos de nos levantar e ir ao seu encontro. Por nós.