A Cegueira do Coração faz Luto
Não desistas de mim.
Era tudo o que conseguia dizer, tudo o que conseguia pensar. Não, mentira. Ele tinha passado a parte do simples pensar, tinha passado para a parte do pensamento obsessivo.
Precisava dela e ela não estava, tinha partido. Tinha partido, assim como o avisara tantas vezes, vezes a que ele não dera importância.
E agora, agora precisava dela, do seu olhar perscrutador e do som da sua voz. Precisava que o viesse salvar, dele mesmo, do seu jeito monótono de viver, da rotina dos dias e da solidão das noites. E ela não vinha, ela não estava mais ali, do lado dele, a olhar por ele, a dizer-lhe o que fazer, ela tinha partido.
Quando? Quando partira ela, que ele, envolvido em si mesmo, não percebera que era a sério, que não voltaria mais? O que tinha sido o ponto maior, que ele não reparara, essa farpa que levara à separação do amor? Soubesse ele qual e não a teria atiçado.
Agora, era tarde. Era?, pensava, cego pela falta que não imaginava que ela lhe fizesse.
Talvez ainda o aceitasse, doido de dor como estava, corroído pelo vazio dela na sua vida. Sim, talvez seja possível, dizia para consigo.
Correu, voaria se pudesse, foi-se quedar na porta dela.
A pulmões cheios gritou: "Não desistas de mim!", gritou uma e outra vez, até ela vir espreitar à janela, a chorar.
Ela não chorava como choram as mulheres quando os homens as surpreendem e emocionam, não, não era esse tipo de choro.
Por entre as lágrimas, ele viu a dor tatuada nos seus olhos, viu-a tão viva que doía olhá-la directamente nos olhos. Não podia ser uma coisa nova, nada novo tem aquele aspecto, aquela dor fazia parte dela há muito tempo. E ele?, como não vira?, como não conseguira perceber que a infelicidade lhe estava a sugar a juventude? Tinha sido tão cego, tão ocupado e cego.
Perdera-a. Conseguia vê-lo, por entre o choro enlutado dela.
Caíu de joelhos no chão, num grito que a urbe abafou. Ela saiu da janela, ele morreu um pouco.
E os dias não mais foram de sol.