O mundo mudou e as gentes do mundo mudaram com ele, por ele.
As caravelas naufragaram por esses mares fora, são meras recordações de outro tempo.
E as gentes, ai as gentes!...
Sombras de quem foram, resíduos de humanidade apodrecida em si, magoadas sombras de sorrisos apagados.
Vendidas e compradas sem pejo, sem olhar a meios, sem que se levante uma só voz a contrariar estes leilões de almas.
EU... Eu tenho embaraço da roda que o mundo deu, tenho um revolver estomacal que não me deixa esquecer que o problema é a negação do problema.
Tudo se vende e tudo se compra, não se olhando a vontades alheias, despojos de amor e de dor, em negociações de esquina onde nada se ganha e pouco se conquista.
O mundo tem cores que o céu roubou e tem luzes que as estrelas invejam. Estão nos corações vendidos por migalhas das minhas gentes, estão nos seus olhos cansados. Nas mãos que a terra carcomeu, nos lábios que o vento cortou. Vendidos todos eles, tão singulares e cheios de estórias...
As minhas gentes solitárias que se vendem por menos do que alguma vez sonhado, aflitas que estão por contacto humano, loucas gentes sem uma mão que em si se poise.
Virei costas e dei de caras com o amanhã prometido, ele em toda eu, eu por ele renovada.
Cansei de esperar em silêncio pelas benesses que trazem os frutos do trabalho árduo. Fadas, contos, promessas vâs e relegadas.
Corto as amarras, nos pés e na voz, soará por todo o reino, o som grave dos meus passos firmes, das minhas palavras mal medidas embora sentidas. Parei de usar a razão e dei o medo de falhar por esgotado.
Sou eu que vou aqui, como sempre fui, mais de mim do que de meus pais, saí a mim mesma e orgulho-me.
E embora a vida tenha dito tantas vezes para me alterar ao sabor das massas, eu olhei para ela de frente e disse ''não''.
São meus pés, descalços e calejados, minhas mãos secas, minha voz, meus olhos, meu coração, e todos eles dizem o mesmo.
Mudar por mim, sim. Pelos outros, nunca, nunca mais...
Sou um bicho, eu sei. Um bicho que sente ampificado como não outro bicho. Um bicho normal, que chora porque não sabe evitar, que ri só quando tem vontade. Sem jogos, um bicho despido de tão transparente que é. Um bicho solitário como o caminho para a verdade se mostra sempre.
No meu próprio caminho, de pés descalços pelas dunas do amanhã.
Quero ligar-te, dizer-te olá. Escapar-me dos dias e ir ao teu encontro. Fugir, quero fugir das dores da cidade e adormecer nas ondas da tua praia. Banhar-me nos teus braços de carinho e nas palavras gentis, quero o teu toque, o sentir do teu beijo, quero-te.
Quero-te por todas as razões erradas. Quero-te por tudo o que que podes dar a sentir, não é mesmo a ti que quero, não é por Amor ou tresloucado devaneio. Quero-te exactamente por não te amar, o Amor torna tudo tão mais complicado. Aquele que deveria ser o maior e melhor dos sentires, faz o coração nublado. Ele vem e arrasta-nos consigo por estradas desconhecidas e duvidosas, umas tornam-se um caminho, outras são declives fatais.
Por isso te quero agora, quero sair de onde a estrada acabou e eu estagnei, sem saber se pulo ou se volto para trás, não vejo nada, estou onde o Amor me largou á deriva.
Fugir da complicação e fazer das escolhas um caminho simples, só por escassos segundos térreos. É para o que te quero.
Alma viajante, sonhadora. Almejas mais do que o de ti esperado. Alma escura e sombria, depressiva, devassa. Alma sem alforria, prisioneira do sentir e do querer.
Tu que te empinas quando te sentes não vista. Tu que gritas e chutas quando é a injustiça que bate á tua porta. Que choras e soluças por amor e dor. Que me guias e me levas pelo braço, tantas vezes por caminhos errados. Tu em mim e eu tua.
Alma minha. Ora um arco-íris, ora de negritude vestida, luz e escuridão por mim adentro. Carimbada com uma aura que não se vê e não se explica.
Das calçadas, das esquinas, dos trovadores idos e das lavadeiras de ontem, é pedaço deles também. Lusa, tão Lusa e tão pouco...