O dilúvio fez-se senhor dos céus e do mar, engoliu as terras e salgou as praias.
Por todo o lado, jazem os chapéus de uma chuva que não cessa e não se rende às rezas das gentes aflitas. Por entre os edfícios acimentados, o vento bufa as amarguras e não se importa com o quê ou quem leva nos braços.
E aqui, no calor fresco da humidade das contruções baratas, as janelas dão-me a conhecer a negritude da noite e seus passageiros distantes, que correm em busca de um abrigo. Sem voz nem face, lá ao longe, numa rua da qual não conheço o nome.
Não alcanço o mar, fundiu-se com o céu num tom de tempestade vestidos, ligados pela àgua que foi do mar e do ar, nesse ciclo de vida ancestral e dominante.
Resta a esperança da bonança que tráz o amanhã ou o dia depois desse.
À laia de desastre, no momento em que comemoro um aniversário, um pedaço de mim morre e desta vez, possivelmente para sempre.
É duro e vil, cruel mesmo, que a boca tenha vida própria e não obedeça a civismos nem reflecções. Mas a boca foi feita para falar, para beijar, não sabe ficar indiferente a posições de desamor.
E o peito chora, todo o mundo cái em cima dos meus costados e eu, engolida que sou neste buraco negro da alma, definho sem forças nem vontades, sem uma parte que é minha e me está a ser negada.
Concessões. Fazê-las, esperar que as façam. Querer as coisas mais simples do mundo e ver que não se dão.
O coração de uma mulher, seja ela quem for, quer vir em primeiro, numa prioridade quase infantil, quer devoção e companhia.
E quando não tem esse sustento que lhe dá vida, murcha em si.
Sonhei com um amanhã que não existe, um sorriso que me arrancaram do peito.
Sou um ser ausente da realidade, invento um hoje só para mim, ninguém lá entra, ninguém quer. Sou uma falha de existir, aqui permaneço sem saber porquê, para quê.
Não sinto como se tivesse vindo do ventre de minha mãe, é como se me tivessem deixado abandonada num mundo que não é meu, num corpo que não reconheço, uma voz que não é igual à que vive na minha cabeça, um coração que chora mais que vive.
Sou um pedaço perdido da alma que habitei, num tempo mais longe do que a memória alcança. Um lamento vago da terra batida, um sopro de um vento que aquece o céu.
Sou menos do que sonhei ser, não percebo as demandas desta vida enredada em si.
Eras tu ou era eu, que nos afundava a história e não deixava que ela se fizesse contar? Já não sei, já não me lembro, tenho nuvens nos olhos, tenho pedras no peito.
Queria ter-te como nunca te tive, sentir-te como se não houvesse mundo à nossa espera, essa parafernália de cousas que temos para fazer, para desfazer, para agendar.
Sinto-me um compromisso sem hora, um apontamento esborratado no calendário expirado, sem floridos, sem emoções.
Se esta história não se perdura, não é por falta de Amor. Será por falta de quê, então?
Não quero mudar mais, dar mais, dei que chegue, mudei bastante, que mais podes pedir?
Tenho sangue quente nas veias, não me vou desculpar por tal.
Não, não está a resultar. Nenhum de nós tem o que precisa, o que quer. E no entanto, amamo-nos.
Sou humana, de carne fraca e imoral. Sou uma só e albergo milhares de mim, em mim.
Tenho as mãos cansadas e sem força, deixo-as cair em desespero. Não sei que mais fazer, sinto-me afogada e soterrada, não consigo agir de outro modo. Estou enredada num misto de sentires e cheiros e não estou a vislumbrar uma saída em grande estilo.
Quero fugir de mim, do reflexo do espelho quebrado, dos modos loucos de mim.
Despir a minha pele e deixá-la endurada no guarda-fatos de nogueira falsa.
Queria poder gritar que te amo mas não posso. Queria poder te abraçar e tocar e beijar à luz do dia, não devo. As pessoas olhariam para mim e diriam que sou louca. E sou. Sou louca por ti e por ser tua. Sou louca que nem uma adolescente apaixonada pela primeira vez. É isso, estou apaixonada. Mas não era suposto, não me era permitido, simplesmente não é. Ainda assim, grito a ti, no silêncio rouco das nossas horas, que te amo, que te adoro, que sonho contigo, que adormeço e acordo contigo no pensamento.
Se ao menos fosse verdade. Se ao menos fosse possível.