Utopia
Nasceu, mais uma das manhãs ensandecidas da Babilónia, mais um remoinho de vida mal composta, suja e imoral. Despontou na ombreira da janela, causta e inquieta, não adivinha de si o que trás. Alvorada rubra e raiosa, louca e perversa.
Na Babilónia dos cheiros partidos, os homens e as mulheres não são uns dos outros, são unos uns com os outros, numa montanha de carne de todas as cores. Lá, o amor tem sabor de uns e outros, tem nome deles todos, uma amálgama de sentires em uníssono. Sem juízos de valor, sem mal dizeres ou rotulações.
Daqui, de fora dos portões dessa Babilónia medieval, o dia amanhece como outro qualquer, puro e impenetrável. Repleto de mesquinhez e maldade gratuita, de extintores arremessados sem porquê. Aqui, onde a guilhotina enferrujou e a lei mudou, os mancebos e párias tomaram o mundo e fazem dele o que lhes convém, perante a conivência dos nossos líderes.
Deixem-me escapar destes vales repletos de sombras e vultos escondidos na mentalidade da alcateia dos covardes. Deixem-me entrar pelos portões dourados da fantasia, essa Babiilónia que não julga, que não impele a força do que quer, que deixa viver, que deixa amar, ou não, sem quaisquer entraves. Deixem-me sentir o gosto da terra e da água, do suor e do sangue. Deixem-me sorrir e chorar, sem parecer tola ou fraca.
Quero evadir-me desta realidade feia e decrépita dos dias.